No princípio não havia palavras, eram apenas coisas repousadas em um imenso precipício: ora ansiosas pelo despertar, ora desejosas pela continuidade do sono indescritível.
O arbítrio das coisas não seria violado ou preservado. Era apenas um registro da gênesis, do que seria alterado, mesmo quando conservado, pelo lançamento aleatório daquele menino dado ao mundo...
A imagem da floresta despertou o menino aninhado nas folhas secas que cobriam o chão. A sensação de abandono à própria sorte era algo de difícil digestão para aquele estômago imaturo de significar.
Era apenas uma gota de consciência de “eu” frágil diante da ausência do outro, capaz apenas de dar corpo ao eco abafado do que pulsava dentro do menino, mas que ainda não tinha nome.
Um tronco frondoso adormecia ao lado, representado o que para muitos seria conhecido como banco ou lenha, mas que naquele momento convidava apenas para um descanso universal.
O menino se ergueu, deixou para trás o que lhe cobria a nudez despercebida, assentou-se sobre o corpo morto de árvore sem se dar conta do imenso campo que o contornava. Sua atenção estava canalizada, como um caudaloso rio, na direção da floresta de oito grandes lados, semeada no centro do desconhecido, que posteriormente se convencionou como infinito.
Oito, seis ou nove lados não faziam diferença naquele instante em que parênteses cercavam simplesmente a floresta, em uma escolha binária e aleatória...
A criança ainda não dava nome às coisas e possivelmente envelheceria sem conhecer uma palavra apta a significar o desejo que lhe tomou o peito naquele momento, impulsionando suas pernas na direção da floresta... Cada passo verde era substituído por um passo robusto, em uma caminhada que adentrava o cercado de árvores.
O menino olhou para trás e se percebeu rodeado por árvores, rigorosamente ordenadas. Tamanha disciplina sufocava os pobres vegetais, que em um ato de protesto, lançavam-se retorcidos rumo ao firmamento, que naquele instante se vestia de branco.
Duas imagens sonoras se alternaram na mente do menino. A intensidade do som se transformou no que posteriormente seria definido como sílabas, vibrando na garganta infantil.
A floresta se prostou em um silêncio ainda mais profundo para ouvir, virgem, a manhã de seu primeiro som aleatório de significado: cedro...cedro, cedro, cedro...cedro,cedro...
Ainda era cedo para que os contornos daquelas palavras condensassem algum sentido, repetiam-se apenas em uma nuvem bruta e aleatória, umidificando a orgia inocente de cordas vocais e tímpanos.
Quanto mais os contornos da floresta se faziam nítidos, mais os detalhes se tornavam noite, até o ponto da escuridão inteira, transformando a brincadeira de luz sobre objetos anônimos, em um aflitivo mergulho na densidade do breu do ignorar. Era o centro da floresta de cedro, o que mais tarde seria lido como crença.
Amedrontado pela inversão da ordem entre luz e sombra, o menino teve o instinto de engatinhar, como se pés e mãos fossem capazes de tatear algum sentido ou saída. O quebradiço da folhagem seca deu lugar, gradativamente, ao lamacento, que abraçava forte feito gravidade ou gravidez.
Naquela bola negra e úmida, de incerteza e não pensar, o menino dormiu, permanecendo desperto. Seu corpo lhe dizia que ainda era cedo. Um envolto caótico de significados distribuídos em pequenos nódulos nos troncos das árvores incomodava os sonhos...
Entediado de seu instinto caduco de compreender, o menino abandona o entendimento da parte ou do todo, se aquieta no vazio da mente, celebrando em silêncio a famigerada união entre sabedoria e ignorância.
O menino ouve as notas de impessoalidade dos sentidos retumbarem no oco de sua consciência esfumaçada de si próprio, sente seu peito apertar fragilizado frente a sua compulsão por signos, limpa seu corpo da lama negra e balbucia sílabas desbotadas, mas capazes de batizar quem seria conhecido como Medro...
M.A.